Você é natural de Minas ou São Paulo?
Sou mineiro de Patrocínio, mas fui estudar em São Carlos, São Paulo. Lá fiz graduação, mestrado e doutorado. Acabei ficando por lá, casei e atualmente moro em São Carlos. Eu me formei em engenharia mecânica, mas hoje trabalho mais na área de análise de dados.
O seu sobrenome, Valadares, é tradicional em Minas Gerais.
Pois é, tivemos até um governador chamado Benedito Valadares. Há uma cidade chamada Governador Valadares em homenagem a ele. Mas eu ainda não consegui traçar algum parentesco. Acho que veio ali mais do norte de Minas. Esse nome veio do meu avô materno, o Sr. Veridiano Valadares, que inclusive foi um dos fundadores da casa espírita na qual cresci, em Patrocínio. Um dos pioneiros do espiritismo na cidade.
Como se chama essa casa?
Atualmente chama-se Sociedade Espírita Casa do Caminho. Antes era chamada de Eurípedes Barsanulfo. Foi onde cresci.
Essa questão de Minas Gerais é interessante, pois é uma terra de vários expoentes do espiritismo.
Muitas pessoas comentam sobre isso. Realmente tivemos grandes nomes da doutrina espírita; cito dois dos principais, Eurípedes Barsanulfo e Chico Xavier. Mas podemos mencionar outros tantos. Por exemplo, Inácio Ferreira. Dos mais recentes, o senhor Honório Abreu e o Haroldo Dutra. Penso que cada nação tem uma vocação, como diz Emmanuel, e cada estado acaba desempenhando um papel específico no conjunto do todo. Minas sempre teve esse compromisso muito forte com o Evangelho desde os primórdios, acho que também muito influenciado pela obra do Chico e do Emmanuel. Quando me perguntam a esse respeito, digo que não é propriamente um privilégio, é antes uma necessidade. Esses espíritos que têm nascido ali são muito comprometidos com o pretérito e se propõem a nascer nutridos por essa seiva do Evangelho para poder levar adiante essa mensagem divina. Acho que é mais por acréscimo de misericórdia do que por qualquer outra coisa.
Como se tornou espírita?
Eu comecei no espiritismo cedo. Nasci em berço espírita, minha mãe me levava, e agradeço profundamente por ela ter sido firme, mesmo que eu resistisse um pouco. Mas tive um interregno; por volta dos 13, 14 anos, me afastei, quando ela me deu um pouco mais de autonomia. Fiquei cerca de dez anos longe da Doutrina Espírita. Nunca cheguei a negar, sempre me pareceu uma visão natural da vida, do universo, mas fiquei muito tempo sem frequentar o centro, sem ler as obras.
Em que faixa etária foi isso?
Foi dos 13 aos 23 anos, mais ou menos. Então, por volta dos 22, estava no último ano da graduação, fazendo um estágio em uma cidade do interior de São Paulo chamada Pompeia. Nessa fase, embora materialmente a vida parecesse estar caminhando bem, tudo se encaixando — profissão, conclusão de curso — passei por uma profunda crise espiritual, uma crise de sentido, como se algo faltasse, como se estivesse bem sedento de algo essencial. Nesse período, comecei a me reaproximar da Doutrina Espírita em definitivo. Minha mãe, nessa época, me deu dois livros que mudaram a minha vida, Paulo e Estevão e Depois da Morte, de Léon Denis. Foram obras verdadeiramente divisoras de águas na minha existência e, a partir dali, me encontrei. Posso dizer que me tornei espírita a partir desse momento, no sentido de voltar a frequentar, participar, ler, estudar e começar a trabalhar.
Mas nesse tempo você apenas se afastou da doutrina ou esteve em outra fé ou religião?
Apenas me afastei da doutrina. Nunca me interessei por outra, porque a doutrina sempre me pareceu muito lógica e com uma visão clara e natural da vida. Estava imerso em outras coisas naquela fase.
Para quem teve a oportunidade de assistir às suas palestras, fica a impressão de que o leque de temas é amplo. Mas se eu fosse perguntar qual é o assunto que mais lhe interessa, com o qual você se sente mais à vontade, o que diria?
Evangelho. O Evangelho é a luz.
Em relação à mediunidade, você tem noção de outras vidas?
A gente tem relances, não muitos detalhes expressos, mas sei que há um envolvimento e um pretérito muito significativo com o cristianismo, com a própria igreja. Inclusive, a nossa proposta atualmente de trabalhar com o Evangelho redivivo, explicar à luz do Espiritismo, é justamente para poder, digamos, retificar algumas coisas do pretérito. Mas não temos detalhes muito claros a esse respeito. A espiritualidade tem focado comigo mais em trabalhar o presente e o que temos por fazer agora.
Quais dons mediúnicos despertaram em você?
Quanto à mediunidade, atuo também como médium de psicofonia e psicografia há 10 anos. Nesse retorno ao espiritismo, a mediunidade também se expressou, mas percebo que, no meu caso, é majoritariamente intuitiva e inspirativa, voltada para as palestras e as falas. Então, tem sido mais ou menos essa a interação.
Estava ouvindo você falar que não trouxe livros. Você é autor de alguma obra?
Ainda não tenho livros escritos.
Tem algum projeto em elaboração?
Tenho planos, sinto que talvez tenha demorado um pouco, mas planejamos começar também na seara de livros. A transição da palavra falada para a palavra escrita exige algumas adaptações e ajustes de estilo, então estamos fazendo esses ajustes para iniciar nessa seara também.
Alguém já deve ter dito que você e o Haroldo Dutra são semelhantes.
Sim, muita gente comenta isso. Algumas pessoas acham até que sou filho ou parente dele. Mas, pelo menos nesta encarnação, não há nenhuma conexão que eu saiba.
Você tem sintonia com ele?
Sim, já fizemos muitos eventos juntos. Quando estava nesse retorno, em 2012, 2013, o trabalho do Haroldo me influenciou muito, pois ele tinha acabado de traduzir o Novo Testamento. Então, bebi muito dessa fonte; ele havia criado o NEPE [Núcleo de Estudo e Pesquisa do Evangelho] naquela época, junto à Federação Espírita Brasileira, e também trabalha bastante com a temática do Evangelho. Outro expositor que foi uma grande referência para mim, quase como um pai espiritual, foi Simão Pedro de Lima, também de Patrocínio. Cresci ouvindo-o. Quando eu era criança, na Casa do Caminho, ouvia as palestras dele, que exerceram uma influência muito grande.
Interessante fazer essa relação. Como você, ele fala sobre temas amplos, mas amarra bem.
As palestras dele são excelentes. Lembro que fugia da evangelização nos dias em que havia palestra dele. Preferia ficar no salão para ouvir. Ele me encantava. Pegava uma passagem do Evangelho e a conectava com uma questão ou um trecho de O Céu e o Inferno, por exemplo. Isso é fantástico, o jeito que ele consegue concatenar as ideias e explicar o Cristo. Isso me influenciou bastante. Lembro que poucos palestrantes usavam o Evangelho, além de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Existem muitas pessoas no movimento espírita que só conhecem O Evangelho Segundo o Espiritismo. Como você interpreta isso?
O grande propósito deste encontro do NEPE Brasil, que congrega os NEPEs de todo o país, é justamente isso: incentivar as pessoas a conhecerem o Evangelho. Kardec fez uma obra magistral em O Evangelho Segundo o Espiritismo. Mas, devido ao seu escopo, ele não pôde abordar todas as passagens e lições de Jesus. A parábola do Bom Samaritano, por exemplo, não está na obra. Você deixaria de extrair lições dessa que é uma das mais belas parábolas contadas à humanidade?
O esforço dos NEPEs é criar, no movimento espírita, uma intimidade com os textos. Não para que voltemos a visões antigas e ultrapassadas, mas para enxergá-los com as lentes novas que o Espiritismo nos proporciona, ajudando-nos a buscar o espírito da letra. Acho que esse é o cerne do propósito dos NEPEs e do Evangelho Redivivo, criado pela Federação: fomentar essa intimidade com as palavras do Cristo, para aprendermos a interpretá-las e aplicá-las em nossa vida, sempre à luz da Doutrina Espírita.
Você está dizendo que o fato de O Evangelho Segundo o Espiritismo não se referir a certas passagens das escrituras não significa que elas deixem de ser importantes.
Exatamente, porque Kardec não tinha como abranger tudo. Imagine o tamanho das escrituras; seria uma obra gigantesca comentar tudo. Entendo O Evangelho Segundo o Espiritismo não como uma obra de chegada, mas de partida. Kardec nos mostra o método de extrair o conteúdo moral das escrituras, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Esse é o modelo, essa é a proposta. Ele traz comentários dos espíritos a trechos específicos para ilustrar como fazer isso, deixando-nos a mensagem: "façam vocês também". Tanto que, em A Gênese, Kardec orienta que nós, espíritas, estudemos o livro de Gênesis bíblico, para compreendermos o que está além dos símbolos, em benefício da própria religião, para que ela não caia em descrédito por interpretações muito literais ou ingênuas. Estudemos, pois, para explicar, porque por trás das metáforas estão lições maravilhosas.
Depois da sua entrevista, pretendo entrevistar o Mordechai, judeu que se tornou espírita.
Você vai gostar de falar com o Mordechai.
Os judeus não usam o termo Velho Testamento. Para eles, a Torá, os Profetas e os Escritos formam a Tanakh, a Bíblia Hebraica. Algumas correntes do cristianismo ideologicamente classificaram assim: aquele compêndio é o passado arcaico e superado.
É verdade. O conceito de "Velho Testamento" deriva principalmente de Paulo de Tarso, que fala de uma nova aliança. Mas precisamos lembrar que o próprio Cristo disse: "Eu não vim destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento." Ou seja, a segunda etapa não elimina a primeira; ela incorpora o melhor para avançar. Da mesma forma, o Espiritismo incorpora o melhor da primeira e da segunda revelação. É como uma construção ou uma árvore. A raiz nunca é desprezada, pois é a base. Na doutrina, nossa visão seria como os galhos e a copa da árvore que se expandem, ou a edificação que avança a partir de uma fundação. Kardec comenta isso no capítulo 1 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, quando discute o papel do Cristo. Ele tomou da lei mosaica aquilo que é de natureza divina, convidou à reflexão sobre o que era de natureza humana e efêmera, e disse: "A partir disso que é divino, construiremos e daremos continuidade ao processo." Tudo é parte de um processo, dividido em etapas ao longo do tempo, conforme as possibilidades de recepção. Acho que essa é a ideia, para não criarmos uma visão de exclusão.
O judaísmo não tem problema com a reencarnação, mas católicos e evangélicos não aceitam.
O judaísmo não é monolítico. Existem várias correntes no judaísmo. Lembro que, certa vez, tive contato com o hebraico por meio de um rabino de São Paulo, o Ventura. Ele é bem conhecido e um grande divulgador do judaísmo. Ele também falava sobre a reencarnação. Há correntes dentro do judaísmo, especialmente a cabala, que caminham para essa vertente mais espiritualista ou mística, onde a ideia da reencarnação é mais presente.
Como você analisa esses desafios de diálogo entre doutrinas religiosas?
Kardec tinha uma visão ampla do Espiritismo. Ele concebia, por exemplo, a ideia de católicos espíritas, protestantes espíritas e judeus espíritas. Uma das principais médiuns que colaboraram com ele era católica. Ela frequentava a Sociedade Parisiense, transmitia mensagens, mas permaneceu católica. Kardec acreditava que o Espiritismo traz um arcabouço de ideias novas, mas não necessariamente exige que a pessoa abandone a crença à qual está vinculada. Claro que teremos espíritas que serão apenas espíritas e não estarão ligados a outras denominações, mas Kardec concebia essa possibilidade, o que é interessante.
O arcabouço espírita oferece uma nova visão comum do que é a vida e a espiritualidade. Os espíritos predisseram para Kardec que o Espiritismo se tornaria uma crença comum. Não no sentido de que todos seriam espíritas de rótulo, mas de que todos teriam uma visão espírita ao compreenderem a vida. A reencarnação e a mediunidade são leis naturais que, um dia, se tornarão patrimônio comum da humanidade.
Divaldo Franco costuma usar a expressão "espíritos espíritas".
Sim, frequentemente, quando Bezerra se manifesta, ele diz: "Estamos aqui representando os espíritos espíritas..." Isso é comum nas psicofonias dele, quando fala em nome de todos os espíritos espíritas que estão presentes. Acho que é essa a ideia. No mundo espiritual, temos falanges como frentes de trabalho, dedicadas a amparar o movimento católico, os trabalhos protestantes, entre outros. Há uma falange específica dedicada ao Evangelho Redivivo na Terra. Temos informações de que Bittencourt Sampaio é um dos grandes coordenadores do projeto do Espiritismo aqui no Brasil, atuando como uma espécie de embaixador de Ismael nessa frente. Bezerra de Menezes, Eurípedes Barsanulfo e Cairbar Schutel também estão à frente do movimento espírita em nossa nação e em outros países.
Quais, na sua opinião, são os desafios atuais do movimento espírita?
Um dos principais desafios é aprender a lidar com as diferenças de ideias, valorizar o denominador comum que nos une, acima de possíveis divergências. Às vezes, vemos dissidências e embates desproporcionais, perdendo um pouco o foco do que a Doutrina Espírita nos apresenta. Esse é um desafio, assim como incorporar cada vez mais as novas gerações. Precisamos adaptar as formas de divulgação, os recursos e a criatividade para envolver os que estão chegando, para que a mensagem siga adiante.
Valorizar o que é mais aglutinador do que o que leva a dissensões.
Em relação ao conjunto de ideias ou ideologias às quais possamos nos apegar, o Espiritismo é maior em termos de propósito, projeto e perenidade. Se soubermos valorizar isso acima de qualquer questão mais terrena, é possível manter a unidade, sem que seja uma uniformidade rígida, mas para levar adiante a tarefa que nos cabe.
Tem alguma ideia que gostaria de ter falado e que eu não perguntei?
Foi uma entrevista muito boa, bem bacana e dinâmica. Os pontos principais foram abordados. Apenas gostaria de lembrar o tema do evento de hoje. Comentei agora no final que nunca devemos esquecer que o Cristo é o que nos dá unidade: "Por muito se amarem, por muito nos amarmos, seremos conhecidos." Isso é mais importante do que o gabarito intelectual ou a dimensão das obras exteriores. Devemos valorizar o espírito de compreensão e fraternidade, que o amor nos inspire sempre.