Venita
nasceu em 28 de janeiro de 1929, em berço espírita, na cidade de
Cachoeiro de Itapemirim, no Estado do Espírito Santo. Sexta dos dez
filhos do casal Nero Abranches e Therezina Malinverno Abranches, aos
doze anos viu-se órfã de sua querida mãe. Seu pai, agora sem a
presença da companheira, achou mais prudente, enquanto reorganizava
sua vida de viúvo, ficar somente com os filhos mais velhos. Assim,
solicitou à filha primogênita Lina Abranches que cuidasse de Venita
e dos dois filhos caçulas. A partir de então, Venita auxiliou na
criação dos irmãos mais novos e na ajuda efetiva para o sustento
da família, juntamente com sua irmã e o cunhado Bibi, pelos quais
sempre cultivou imensa gratidão e apreço pelo resto da vida.
Casou-se
em 24 de setembro de 1949, aos 20 anos, com o alegrense Paulo Simões,
passando a residir na cidade de Alegre/ES. Teve três filhos
biológicos (Maria da Penha, Verônica e Paulo Junior. No seu lar,
também acolheu Geraldo e um rapazinho portador de necessidades
especiais, o Dominguinhos, dedicando a ambos maternal carinho.
Seu
filho caçula, - Paulo Jr. - aos três meses de idade, foi
diagnosticado como portador de encefalopatia, ficando com seu
desenvolvimento mental e motor comprometidos durante os 19 anos de
sua existência de total dependência. Venita dedicou-se
integralmente à família e a esse filho, agasalhando-o com
resignação, compreensão, coragem e muito amor, contagiando com
essa força e exemplo toda sua família e os que com ela conviveram.
Apesar
das dificuldades próprias de uma vida de luta e de quem embala nos
braços um filho especial, nunca fraquejou ou deixou de doar-se ao
próximo. Ao contrário, todos os fatos vividos contribuíram para
fortalecer sua crença em Deus e para sua ação no campo da
fraternidade, conforme os ensinos da Doutrina Espírita por ela
abraçada.
Em
casa, além dos afazeres domésticos, que fazia cantarolando suas
canções favoritas, contribuía com a renda familiar, usando seus
dotes de excelente costureira. Foram centenas de vestidos, saias,
camisas, calças, chapéus e lençóis confeccionados no período
dedicado exclusivamente ao lar. Interessante notar que os
"fregueses", tornavam-se amigos e não saíam de sua casa,
apenas com suas encomendas prontas no prazo combinado, mas também
com palavras de conforto e otimismo.
Paralelamente,
ainda encontrava tempo para auxiliar os necessitados por meio de
diversas campanhas, como a do quilo de alimento, por exemplo. Sabendo
da sua disposição para ajudar ao próximo, eram inúmeras as
pessoas que a buscavam para pedir auxílios diversos ou conseguir
empregos para familiares e amigos. Por telefone acionava os
conhecidos, falava da situação vivida por aquelas pessoas,
sensibilizava, convencia e na maioria das vezes era atendida. Sua
única recompensa era dar a boa notícia e ver o sorriso de alívio e
de felicidade estampados nos rostos agradecidos.
Ante
o agravamento, na adolescência, da condição física do Juninho -
como Paulo Jr. era chamado - decidiu fazer o Curso "A criança
Excepcional" na Associação de Solidariedade à Criança
Excepcional, formando-se em 26 de novembro de 1968 e o Curso de
Massagem "Dr. P. Ling", terminado em 02 de maio de 1969,
tendo como objetivo melhorar a qualidade de vida do filho e, quiçá,
de outras crianças portadoras de problemas semelhantes.
Na
sequência, estimulada pela sede de conhecimento, retomou a educação
escolar interrompida aos 12 anos com a desencarnação da mãe,
terminando o "ginásio" e, em seguida, cursando o
magistério.
Com
a desencarnação do Juninho, em 11 de julho de 1974 e com os demais
filhos adultos, casados e/ou independentes, tomou duas decisões, há
muito sonhadas: a primeira, completar seus estudos, graduando-se em
Pedagogia, pela Faculdade Estácio de Sá - RJ, em 1980; a segunda,
integrar-se efetivamente ao Movimento Espírita carioca, passando a
frequentar, estudar e assumir tarefas no Centro Espírita "Bezerra
de Menezes", no Bairro Estácio- RJ, com toda a convicção e
empenho que lhe eram peculiares. Este foi o momento em que, em preces
a Jesus, comprometeu-se a retribuir o muito que havia recebido
espiritualmente, doando-se incondicional e integralmente à causa
Espírita.
Seu
primeiro trabalho profissional como professora foi realizado na
Escola "Toneleros", em Botafogo/RJ, onde entrou na condição
de sócia, exercendo o magistério com responsabilidade, amor e
fazendo uso dos princípios da Pedagogia Espírita, sempre que
possível.
Em
meados de 1982/1983, estava atuando como Orientadora Educacional na
Escola Elza Campos - Tijuca/RJ quando seu esposo aposentou-se e
expressou desejo de voltar a morar no Espírito Santo. Venita relutou
em se distanciar dos compromissos assumidos junto aos companheiros do
Centro Espírita "Bezerra de Menezes", aos quais
considerava como sua família do coração. Após muito pensar, optou
por seguir o companheiro leal de 34 anos de matrimônio, acordando
com ele, porém, que residiriam numa cidade onde pudesse continuar
"trabalhando com e para Jesus", como gostava de falar.
Depois
de passar pelas cidades capixabas de Iconha e Piúma, soube: que em
Anchieta havia um grupo de espíritas que se reunia para estudo em um
apartamento de veraneio de propriedade do Sr. Hilpert Doellinger
Viana; que Hilpert sonhava em ampliar o trabalho para os demais meses
do ano, a fim de manter acessa a chama da doutrina como um farol que
alumiasse aquela comunidade; que ante a impossibilidade de sua
permanência constante em Anchieta, buscava alguém com conhecimento
doutrinário e disposto a assumir a tarefa.
De
posse dessa informação, Venita fez contato com a família Viana e
marcaram um encontro no Rio de Janeiro, onde residiam, ficando
acordado que ela assumiria a tarefa. Hilpert esteve em Anchieta para
concretizar o acordo. No retorno para o Rio de Janeiro, sofreu um
acidente de carro, onde veio a desencarnar imediatamente, deixando a
todos consternados, embora cientes de que ali se manifestava a
vontade divina.
Assim,
em 10 de abril de 1984 teve início a história de Venita no
Movimento Espírita Capixaba. Seu trabalho foi iniciado com o
atendimento às famílias carentes do município de Anchieta, por
meio da evangelização materno/infantil, distribuição de sopa,
roupas e alimentos doados pela comunidade espírita de outras
localidades e, mais tarde, pela comunidade local em resposta às
campanhas, à seriedade e à efetividade do trabalho realizado. Após
a consolidação da atividade assistencial, implementou a divulgação
doutrinária por meio de palestras públicas e grupos de estudo
coordenadas por ela e seu já idoso pai.
Nesta
época, a sede do movimento era o apartamento pertencente à família
Viana, onde ocorriam as reuniões de estudo anteriormente
mencionadas. Ali, Venita, seu pai - Nero, e os companheiros que
aderiram ao Espiritismo na ocasião, gradativamente angariaram a
simpatia da comunidade e novos adeptos declarados da Doutrina
Espírita. O movimento crescia liderado pela garra, empenho,
determinação e certeza de Venita quanto à procedência espiritual
da obra por ela continuada a partir da iniciativa de Hilpert, em
1982.
Havia,
porém, dois desafios a serem resolvidos: o apartamento já não
comportava o número de participantes e as atividades implantadas; e
o grupo, até então informal, precisava ter existência jurídica.
Assim, Venita empenhou-se na formalização legal do Grupo e na
campanha junto à comunidade espírita e simpatizantes para aquisição
de um terreno onde seria construída sua sede própria. Contou nesta
e em muitas outras ocasiões, com a generosidade e o apoio financeiro
fundamental de doadores fiéis para a concretização deste e de
outros projetos que foram implementados no decorrer do tempo,
nutrindo por eles profundo reconhecimento e carinho.
Em
14 de julho de 1984 realizou-se a 1ª Assembléia Geral
Extraordinária do Grupo Espírita "Atualpa Barbosa Lima"
(GEABL). Nesta reunião entraram em pauta as informações relativas
ao requerimento solicitando o registro em Cartório do Estatuto e do
Livro Caixa, sendo entregues três exemplares do Diário Oficial, com
a publicação destes, para apreciação. Em 14 de setembro de 1984 -
o Grupo foi constituído em cartório e, em 28 de outubro de 1984 -
Fundado com o nome Grupo Espírita "Atualpa Barbosa Lima",
em homenagem a Atualpa Barbosa Lima - médico e humanista nascido no
Ceará em 28 de outubro de 1892 e desencarnado no mesmo dia do ano de
1928.
Em
1985 - Venita recebeu o Projeto Arquitetônico para a construção da
sede própria e em março de 1986 - colocou simbolicamente a "Pedra
Fundamental" da sua sede própria à Rua Carlos Rubens da
Purificação, s/nº no Bairro da Justiça/Anchieta-ES, com a
presença de companheiros do Centro Espírita "Allan Kardec"
- Guarapari/ES, dos Centros Espíritas "Irmão Thomé" e
"Maria de Madalena" de Vitória-ES, da Sra. Lenira Pereira
e de Paulo de Tarso Viana, viúva e filho de Hilpert Doellinger
Viana, respectivamente, e dos companheiros e trabalhadores do GEABL.
Em maio de 1986 - iniciou a construção da sede própria.
Em
novembro de 1990, após nove anos de doença, seu marido desencarnou
vítima de Alzheimer. Viúva, Venita intensificou sua dedicação à
Seara Espírita, sempre contando com a colaboração de inúmeros
doadores e colaboradores voluntários que possibilitaram a realização
da obra material, social e espiritual, em questão. Daí em diante,
empenhou-se em formar e consolidar uma equipe que pudesse atender,
juntamente com ela, as inúmeras demandas da comunidade. Os nomes
desses valorosos companheiros, assim como os dos doadores mencionados
anteriormente, foram omitidos a fim de evitar injustiças decorrentes
de involuntário esquecimento.
Os
trabalhos foram intensos e crescentes: Cadastramento e visitação às
famílias assistidas; atendimento a pobreza com o alimento espiritual
e material; distribuição de sopa e mantimentos; ajuda financeira
com pagamento de luz, água, passagens, remédios, dentre outras;
melhorias, reformas e/ou construção de casas para famílias
necessitadas; oficinas de bordado costura, biscuit, corte de cabelo,
crochê, dentre outros; encaminhamento médico para consultas,
exames, cirurgias; empréstimo material hospitalar; distribuição de
kit escolar; marcenaria; albergue; bazar; livraria; biblioteca;
encontro fraterno de 2ª a sábado duas vezes ao dia; reuniões
doutrinárias 2ª e 5ª feiras; estudos sistematizados da Doutrina
Espírita; divulgação da Doutrina semanalmente na Rádio
"Beneventes" - Anchieta; aplicação de passes;
inicialização e reforço do Culto Cristão no Lar, quando
solicitado; tratamento espiritual; reunião mediúnica; visitas ao
asilo de Piúma e Hospital Maternidade de Anchieta; campanha do
quilo; aulas de reforço escolar; projetos diversos: "Atendimento
a Família Carente"; "Arquitetônico Casa Popular";
"Mãos a Obra"; "100 X 100"; "Adote
um Educando"; aquisição de 3000 m2 de terreno no bairro
Planalto e Nova Anchieta, entre outros.
Em
05/02/1992 - Fundou a Sociedade Pestalozzi "Cativar",
no Bairro Nova Esperança - Anchieta/ES.
Além
das atividades em Anchieta, Venita atuou na 4ª União Regional
Espírita (URE), de 1986 a 1992, contribuindo com o Movimento de
Unificação, pelo qual tinha profundo carinho e comprometimento.
Reconhecida pelos seus conhecimentos na área de Administração de
Casa Espírita, era freqüentemente consultada sobre o tema. Realizou
inúmeras palestras e seminários em diversas cidades da região
sudeste e sul do Brasil, em especial sobre temas evangélicos e
Mediunidade - seus favoritos e dos quais tinha notório saber. Suas
"andanças" incluíram a Flórida, Estados Unidos, em
27/08/1996 para onde viajou a convite de companheiros sediados em
Miami, ocasião em que recebeu - Homenagem dos Espíritas daquela
cidade.
Sua
atuação no campo social foi além do reconhecimento no meio
espírita: Recebeu em 30/05/1987 - o Título de "Cidadã
Anchietense", Resolução nº. 011/87 - da Câmara Municipal de
Anchieta; em 08/10/1996 - Certificado pela relevância dos serviços
prestados em favor da defesa dos direitos da Pessoa Portadora de
Necessidades Educativas Especiais no Espírito Santo, da FENASP -
Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi - 8ª Região - ES; Em
13/05/1999 - Comenda "A Dignidade" - Decreto legislativo
nº. 17/99 - Câmara Municipal de Anchieta; Em 2003 - "Mulher
destaque em 2003" - Câmara Municipal de Anchieta.
Membro
do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira,
de 1993 até o momento de sua desencarnação - fevereiro de 2011
desempenhando a tarefa com zelo e responsabilidade.
Assim
foi Venita nesta existência: mãe e esposa dedicada que soube
expandir os vínculos afetivos para além da família biológica,
sempre disponível para acolher e socorrer a quem a procurasse, a
qualquer horário ou local, sem medir esforços e, muitas vezes, em
detrimento do convívio familiar e da própria saúde.
Desprendida,
repassava a quem precisasse seus limitados recursos de pensionista,
afirmando que necessitava de muito pouco para viver.
De
caráter enérgico, coerente e ético, lutou pela expansão do
Espiritismo, sempre fiel às Obras Básicas da codificação
kardecista. Ciente do seu papel de educadora espírita e
representante da Doutrina em Anchieta/ES, exemplificou suas palavras
por meio de ações, agindo em consonância com tudo o que ensinou.
Detentora
de uma personalidade simultaneamente doce e forte, não transigia nas
questões morais, embora demonstrasse ampla compreensão para com os
equívocos humanos. Sua marca registrada era o bom humor constante, o
sorriso gostoso e fácil com que acolhia a todos indistintamente.
Trabalhou
ininterruptamente na seara espírita até 2010, aos 81 anos de idade,
quando se afastou da presidência do GEABL, em 20 de novembro de
2010, devido à fragilidade orgânica decorrente de um câncer
detectado no início de 2007. De 2007 a 2011, lutou com galhardia
para combater a doença, submetendo-se a uma cirurgia de grande porte
e a tratamento quimioterápico, realizado ora em Vitória ora em
Curitiba. Apesar da enfermidade, continuou atuante e entusiástica,
solidária e solícita em compartilhar sua experiência e
conhecimento indistintamente. O móvel da sua ação era a
continuidade do trabalho pelos companheiros que a sucederiam,
confiante de que o trabalho não seria interrompido na sua ausência.
No
final de 2010, foi liberada temporariamente da quimioterapia para
passar Natal e Ano Novo em Curitiba/PR, com a filha mais velha, Maria
da Penha, genro, netas e bisneta. Seu retorno para Anchieta estava
marcado para o dia 11 de janeiro de 2011. Porém, a doença se
agravou, levando-a a permanecer em Curitiba para tratamento médico
de caráter paliativo. Sua filha Verônica juntou-se a ela em
Curitiba onde dividiu com a irmã e demais familiares os cuidados com
aquela que lhes agasalhou na vida física, ficando ao seu lado, num
gesto de reconhecimento, dever e gratidão.
Em
questão de dias, a enfermidade se expandiu de forma incontrolável.
Ainda assim, afirmava "doente é meu corpo, não meu
Espírito". Nenhuma palavra de revolta ou questionamento da
vontade divina foi pronunciada por ela, ante as limitações de um
corpo que já não respondia aos comandos da sua vontade. Foram dias
de prova cumprida com dignidade, humildade e paciência. Ela "caiu
de pé!", vindo a desencarnar em 06 de Fevereiro de 2011,
deixando saudades.
Aqueles
que a conheceram e compartilharam com ela a crença na imortalidade
da alma, sabem que dará continuidade ao trabalho "do lado de
lá", com o mesmo dinamismo, entusiasmo, alegria, abnegação
e entrega com que aqui se comportou.
"Em
nenhuma ocasião, desprezar as ocupações de qualquer natureza,
desde que nobres e úteis, conquanto humildes e anônimas. O trabalho
recebe valor pela qualidade de seus frutos." (André
Luiz)